terça-feira, 25 de outubro de 2011

Que bárbara a civilização!

Civilização é uma coisa, barbárie outra, certo?

Não. Civilização e barbárie são parte de um mesmo processo.

Claro, em condições normais ou mais aceitáveis, a barbárie é sobretudo um instrumento da civilização.

Que fique bem entendido: eu disse “sobretudo”, eu não disse “apenas”.

Isso quer dizer que, mesmo quando opera como um instrumento da civilização, a barbárie é mais que um instrumento da civilização.

A bárbarie, portanto, se justifica sobretudo, mas não apenas, como instrumento da civilização.

Pode-se dizer que todas as civilizações que prosperaram longamente e obtiveram sucesso na tentativa de repelir ou suplantar seus adversários fizeram largo uso da barbárie.

Nesses casos, a barbárie se justificou não somente pelos benefícios hauridos pelas civilizações que a empregaram; na verdade, os benefícios foram sempre mais amplos e atingiram positivamente grande parte da humanidade, sob a forma de um amplo legado no campo das artes, da engenharia, do direito, da gestão pública etc.  – e na própria forma de produzir barbárie, que por sua vez ajudaria a propiciar mais civilização.

Assim, aprendemos com os civilizados de todos os tempos um sem-número de prodígios, entre eles, a utilíssima arte e ciência do horror sobre seus adversários.

A barbárie como instrumento da civilização já é chocante. Porém, a barbárie intransitiva, a barbárie assentada em si mesma, é ainda mais chocante.

No entanto, ao que parece, a barbárie intransitiva é, mesmo no contexto da marcha civilizatória, algo inevitável.

Isso ocorre pelo simples fato de não ser possível erguer uma muralha da China entre uma e outra forma de barbárie.

Tomemos um exemplos simples. A civilização que mais profunda e sofisticadamente construiu e exaltou o discurso antibarbárie foi a chamada civilização ocidental. No entanto, o enorme sucesso alcançado por essa civilização se processou por meio da produção da barbárie em escala descomunal. Ora, não se pode dizer que toda essa barbárie tenha sido produzida cirurgicamente apenas na medida necessária para favorecer o avanço da civilização. Os exemplos de excessos, delirantes, gozosos, extáticos, são inumeráveis.

Daí resulta que os heróis da civilização são, em muitos casos, rematados genocidas; e, aparentemente, com muito prazer, em muitos casos.

A depuração da civilização dos excessos da barbárie é, normalmente, um trabalho realizado a posteriori pela historiografia dos vencedores.

Esses dias acompanhamos o extermínio de Kadafi e continuamos a acompanhar o vilipêndio de seu cadáver. Ficamos chocados. Aquilo foi barbárie instransitiva, gratuita, a barbárie pela barbárie.

Sem dúvida. Mas talvez tenha sido sobretudo um lance pró-civilização. O próprio Kadafi era ao mesmo tempo um bárbaro e um civilizador. Provavelmente, o mesmo deverá ser dito de seus sucessores, que tentarão se constituir nos novos civilizadores da Líbia.

Vamos continuar acompanhando. Deve vir muita civilização – e barbárie – por aí.

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