domingo, 23 de outubro de 2011

A bolha da paz

A semana passada foi de badalação do novo livro de Steve Pinker. Segundo as resenhas, Pinker sustenta que nós, como humanidade, nunca fomos tão pacíficos.
Não creio que sejamos  exatamente mais pacíficos; somos, sim, mais logológicos.
Logologia é um neologismo tautológico que significa: a lógica do logos.
Logos é pensamento, palavra.
Sim, somos mais logológicos, o que quer dizer que agimos mais com base no pensamento, na palavra.
Dito de outra maneira: o conhecimento, a tecnologia, as leis, os contratos e, até certo ponto, o diálogo, tudo isso se tornou mais importante em nossa vida.
Então, somos mais pacíficos?
Bem, o conhecimento e a tecnologia podem ser utilizados a favor da paz: na medida em que são responsáveis pelo aumento da abundância entre muitos grupos humanos, liberam esses grupos humanos da necessidade de usar a força para pilhar a propriedade alheia.
As leis, os contratos e o diálogo substituem a lógica da força. Isso vale para a relação entre os cidadãos e vale também para a relação entre os cidadãos e o Estado: um número enorme de pessoas não necessita pegar em armas contra as autoridades estatais; por outro lado, onde prepondera o direito moderno, o Estado somente em situações bastante reduzidas pode utilizar a violência contra o cidadão.
De fato, muitos seres humanos se habituaram a viver diariamente de modo mais pacífico que nossos antepassados. E isso dura há várias décadas.
Ou seja, vivemos mais em paz, ampliou-se, no tempo e no espaço, a legitimidade e a vigência da paz.
Ampliou-se, eu diria, a bolha da paz.
Mas eu não diria que nos tornamos mais pacíficos.
Por quê?
Porque a logologia, se pode ser pacífica, pode também ser guerreira.
A tecnologia, na forma de armas mais destrutivas, e o conhecimento, na forma de estratégias de combate mais refinadas, podem ser – e frequentemente são – instrumentos da guerra.
As leis e contratos podem privilegiar grupos ou nações e, com isso, aumentar a tensão entre esses grupos ou nações e aqueles outros grupos ou nações que tiveram, assim, seus interesses preteridos. O aumento da tensão pode desembocar em conflito armado.
Por fim, a palavra, que pode servir ao diálogo, pode também servir à retórica guerreira.
Há pouco mais de 66 anos se encerrava a guerra mais devastadora da história; há pouco mais de 66 anos dura nossa imensa bolha da paz.
Mas, embora a paz como valor tenha se fortalecido muito, embora a irenologia (não a ciência, mas a lógica da paz) continue a conquistar muitos corações, o fato é que a guerra espreita e irrompe, ainda que, por ora, de forma limitada.
A bolha da paz, em última instância, não eliminou a escassez econômica, origem de tantos conflitos; a bolha da paz tampouco eliminou outros conflitos, latentes ou patentes, entre grupos e nações. Muitas pessoas que hoje erguem a voz pela paz podem, em outras circunstâncias, exigir e apoiar a guerra.
Em algum momento, poderemos presenciar novamente os hoje pacatos cidadãos do mundo enredados em combates sangrentos, com o concurso  singular do poder que emana do logos.

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